raio de sol - I

Ihhh! Estou todo molhado... Virgínia, Zeca! O que eu estou fazendo aqui nesta cama? O dia já está surgindo e este cheiro é insuportável. Será que Marília vem me ajudar? Melhor tocar a campainha.
Quando prá tudo já é tarde, a mente inquieta herda um corpo inerte, pendente de lembranças, oco de saudades e pleno de incertezas. Até que ponto o ser humano quer viver, quando o tempo lhe chama para todos os lados?



O remédio, o banho, roupa perfumada. Todo esse carinho e esse sorriso. Quanto trabalho, filha. Queria poder dizer-te o quanto te amo, mas já disse isso tantas vezes na vida que não é mais preciso. Tu sabes. Passear? Sim, claro.



Mas ainda não posso... Não posso perder o sol se pondo mais uma vez, o ocaso do dia, do tempo se dobrando, confirmando as teorias que já foram hereges, tornaram-se compreensíveis e mais uma vez lunáticas.

Essas crianças que correm tanto, se escondem, gritam, tropeçam... vou contar-lhes tudo o que vai acontecer... não, melhor ficar calado. Elas não entenderiam... Como eu, um dia também não entendi. E foi melhor assim. Cada sol que me queimou, cada gesto que me acariciou, cada pedra que me derrubou ajudou a construir meu saber e isso não tem quem explique.
