sábado, abril 30, 2005

penhascos da mente - I


Poderia ter havido uma manhã de inverno, com o sol intenso invadindo a estrada coberta de neve. Ao longe, montanhas azuladas poderiam ter sido o cenário perfeito para repousar, numa pequena cabana, à beira de um penhasco obtuso.
Poderia, também, ter ocorrido uma chuva calma, numa manhã de domingo, emoldurada por uma janela escancarada de um chalé, às margens de um riacho sinuoso, salpicado de pedras roliças, como se ali pinceladas.

sexta-feira, abril 29, 2005

penhascos da mente - II


Ou talvez eu tivesse partido num trem antigo, envolto em fumaça branca, serpenteando as matas, buscando pontes altas sobre rios límpidos até ganhar as profundezas de um túnel, onde o eco ritmado da locomotiva se confundisse no breu.
Quem sabe eu tivesse cruzado desertos sobre camelos dóceis em longas e lentas caravanas, sob tórridas tardes, em que o sol imenso se fizesse miragem ao se pôr imponente em largo horizonte.
Ou não...

quinta-feira, abril 28, 2005

penhascos da mente - III


Talvez nada disso tenha me acontecido. Poderiam ser cenas acumuladas em aposentos da memória e agora esparramados entre fotografias de rostos e locais que nem sei se existiram. Deprimente seria se tivesse cruzado todo caminho, como se desvendasse um labirinto, sempre com as mesmas mofas paredes a sufocar a existência.
Penoso seria descobrir a inércia como propulsora de um trem vazio, descarrilado e que nunca tivesse buscado horizontes. Catarse ou não, prefiro pensar que a tudo me entreguei, seja nos passos da alma ou nos movimentos das pernas.

quarta-feira, abril 27, 2005

penhascos da mente - IV


Se eu me apegar ao que deixei de usufruir fisicamente, não saberei consumar o verdadeiro sabor das memórias que me restam ou que eventualmente emergem desse poço profundo. Lamentarei as ruas que não cruzei, as mulheres que não amei, os filhos que não tive, os desatinos que não me permiti.

terça-feira, abril 26, 2005

penhascos da mente - V


Resta-me então aceitar minhas verdades, sem questioná-las, até porque em breve posso não mais fazer parte da cena, sem que o mundo deixe de estar disponível para os atrevidos e insuficiente para os exigentes. Mesmo que eu aqui não mais esteja para chamá-lo de mundo, ainda assim restará o sol se deitando, as águas circulando pelos corpos e pelos rios. Noites, dias, noites, dias, invariavelmente sem meu olhar, como já houve antes de mim.
Não sei se fiz diferença ou se mudei o ritmo dos fatos: nota dissonante numa melodia. Agora, já não importa. Estou cansado, preciso repousar. Aqui, além. Finitude ou fronteira, não importa... Não, não importa.