quinta-feira, fevereiro 28, 2002

Eduardo

Meu filho Eduardo cresceu sempre com a presença de meu pai. Talvez por eu ter me divorciado quando ele ainda era bebê e seu pai ter viajado para fora do país e criado nova família, a imagem paterna que Eduardo trouxera consigo foi de meu pai, que morava perto de nós e constatemente estava conosco. Fazíamos viagens, passeios, as datas festivas, tudo a três. Ou a quatro, quando o tio Everaldo ainda estava entre nós. Uma família pequena, fora dos padrões, mas feliz de seu jeito.
Eduardo cresceu, formou-se em direito e hoje é casado e mora na cidade vizinha, com Júlia sua esposa e sua pequena Helena que constantemente me visita e traz luz para esse lugar de meia idade. Enquanto papai era vivo, a figura central era ele, distante em sua viagem pós derrames, mas que derramava ternura para todos em seus olhares e gestos generosos.

domingo, fevereiro 10, 2002

Elvira

A personalidade calma, mas decidida herdei dela. Seus traços eram leves e sutis, tinha a capacidade de impor-se com delicadeza.
Por muito tempo eu não conseguia imaginar meu pai sem a presença constante e forte dela, porém quis o destino que antes que me considerasse adulta ela partisse, após adoecer e muchar como uma linda flor. Meu pai, ainda um tanto jovem, não permitiu-se mais ao amor e assim passou a viver da doce recordação de Elvira.
Minha responsabilidade sobre meu pai cresceu enormemente com sua ausência e nunca mais nos separamos, mesmo durante meu casamento.
Noites e noites ele me relatava seus sonhos, onde matava um pouco das saudades, o que lhe bastava. Não deve ser diferente agora, nesse estado em que se encontra...

sexta-feira, fevereiro 08, 2002

Helena

Minha neta, Helena.

Quisera eu poder ter dado mais atenção a ela. Com seus olhos amendoados e seu cabelo de um loiro escuro e crespo, compartilhava comigo alguns momentos de renascimento. Me via criança, me via mãe, me via em todas as idades. O tempo que dediquei a meu pai me ocultava descobertas com Helena, porém ela em sua sabedoria infantil nada me cobrava. Ao contrário, entrava na casa correndo e ia até o quarto dele para ver o biso, como se fosse um brinquedo do tempo, algo que pudesse surpreendê-la de repente.

Na simplicidade do pensar infantil, ela o via com outros olhos, porém havia uma energia que faíscava quando os olhos, distantes há quatro gerações, se encontravam. Não sei se meu pai conseguia identificá-la como sua bisneta, ela era ainda bebê quando ocorreu o primeiro infarto e ainda não havia completado um ano quando ocorreram os derrames. Mas, de um jeito especial eles se comunicavam, entre olhares, sorrisos e surpresas.

terça-feira, fevereiro 05, 2002

Everaldo

Tio Everaldo foi o grande amigo de meu pai. Após a morte do tio Zeca, meu pai sofreu demais...
Naquela época, tia Virgínia já namorava o tio Everaldo, que aos poucos foi ocupando o espaço do vácuo que havia o coração de um homem sensível como ele. Com o passar dos anos, ele tornou-se um irmão e cúmplice de brincadeiras, programas de fins de semana e de livros que compartilhavam como crianças fazem com seus brinquedos. Essa amizade tornou-se mais profunda quando ambos ficaram viúvos pelos seus cinquenta e poucos anos. Aliados na alegria e na dor, compartilharam bons anos muito próximos, até a morte desse meu tio carinhoso, há quinze anos atrás.