quinta-feira, março 30, 2006

bolor do tempo

Nos primeiros tempos, não imaginava a distância que teríamos, dada a proximidade que passamos a ter.
Lembro certa vez, com minha neta no colo, abracei papai enquanto mirávamos a mesma janela. Lado a lado, porém descompassados no tempo. Eu procurava no rio aqui próximo o ponto que ele contemplava, o raio de luz que ele buscava, tentando compreender a magnitude daquela alma que tanto me trouxe e tanto significa na minha história, no meu modo de agir e até mesmo na forma que criei meu filho, longe de um pai, enquanto eu o tinha sempre tão perto.
As lembranças da infância, as cantigas de roda que ele me ensinou e que eu cantarolava para minha neta, o saborear de novas frutas, tudo voltou a minha mente como se recém tivesse provado um morango mofado pelo bolor do tempo. No quê estaria ele pensando?... Sempre tivéramos tanta sintonia, mas o que havia naquele dia era uma ponte inacabada que me arremeçava a águas turvas, tão diferentes dessas que majestosamente se espalhavam no horizonte.
Porto Alegre ao entardecer de frente ao rio era como mirar o próprio destino, esvaindo-se pelas nesgas de sol que flutuavam naquela superfície. A beleza de uma natureza exuberante em contraponto ao que ela mesma nos faz cumprir – um fim melancólico para uma vida de energia de um pai vivaz e carinhoso, que agora mal me olhava. Dei-lhe meu afeto envolvendo-lhe os ombros e cheguei a pensar que ele estava me reconhecendo. O que havia ao certo era o sol mais uma vez se pondo e depois... a escuridão.
Enquanto lhe cantava as velhas canções infantis, Helena, minha neta, lhe acariciava o cabelo e ele nem percebia, aflito que estava diante do sol a apagar-se.



2 no bloco de notas:

Blogger ॐ Hanah ॐ registrou a lembrança...

passei por aqui depois do eclipse...

fiz uma homenagem a você lá no .... Objeto...

Beijo e

continue com essa luz....

21:18  
Blogger Saramar registrou a lembrança...

Apesar de marília ser a cuidadora, esse filho me comoveu muito mais, não entendi porque. Não me entendi, nesta questão.
Só sei que me pareceu que o filho sofreu mais com a presença-ausência do pai.

20:06  

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