quinta-feira, março 31, 2005

retalho de amor - I


Amei.
Sei que amei... Houve uma mulher, há muito tempo atrás. Eu mergulhei no abismo de seus olhos, assim como a chuva que num instante é vapor e noutro inundação. Inevitavelmente me perdi nas suas curvas, como um piloto experiente que despenca montanha abaixo.
Sei que amei muito, com força, inteiro. Sei que fui hipnotizado pelo seu gestual e por sua fala, como um mágico sobressaltado por erros invisíveis.

quarta-feira, março 30, 2005

retalho de amor - II


Houve paixão e continuidade. Afoguei-me no suor e nos seus fluidos, como um atleta que mergulha em apnéia. Sei que a encontrei entre milhares de mulheres, como se o universo expandisse-se invariavelmente em minha direção para me trazer uma única estrela.
Sim, definitivamente vivi a alucinação de um amor, mas quem? Sou refém da vida, enquadrada numa moldura rota a sentir sensações avassaladoras de um amor que nunca tem fim, mas que também já não tem rosto, nome ou gesto.

terça-feira, março 29, 2005

retalho de amor - III


Como se meu coração tivesse sido cavado e de lá arrancado algo vital... Nessa saudade que aperta o que restou no meu peito, contemplo o vazio que me engole. Não é o nada que me incomoda, mas a ausência de alguém que me ensinou a amar. Eu poderia começar a chorar, não me falta o nó na garganta, mas quando vejo o rio que corre distante, sei que já não me pertencem as lágrimas, que um dia trespassaram meus olhos feito agulhas. Esse vazio é pleno, é um paradoxo, é o nada e é tudo; é sem nome, mas é presente; é ausência, mas é vida; é saudade, é demência; é a força que me mantém vivo, mas é também é motivo para partir.

segunda-feira, março 28, 2005

retalho de amor - IV


Resta em mim, na sensibilidade de cada poro desse velho corpo, um amor que compartilhei e que me conduz, como um balão de gás, prestes a esvaziar-se.
Neste quarto escuro, nessa madrugada, os clarões da noite revelam molduras suspensas no vazio que talvez me possam trazer o rosto, em imagens resgatadas do passado em fotos impressas em papéis amarelados, com rostos felizes, perdidos no tempo. Se eu chegasse até lá, talvez encontrasse uma gota de lembrança que falta para preencher o imenso oceano que inunda de ausência meus pensamentos, mas justamente hoje meu corpo recusa-se a obedecer meus anseios e fico prostrado nessa cama, sem saber se o que vejo é sonho, ilusão ou devaneio.