segunda-feira, maio 31, 2004

gritos mudos - I


Passei anos na dúvida se o que era real não passava de um sonho ou se nos sonhos não estaria encontrando minha realidade. Coisas, fatos, pessoas se sucederam, como se fosse mais um ato de uma comédia burlesca. Cenários grandiosos com atores medíocres me fizeram enjoar e por isso passei muito tempo tratando gastrite.
Preferi os momentos sutis, com pessoas que me enriqueceram o pensar. Apreciei conversas ásperas que me obrigaram a ordenar meus pensamentos antes de articular meus sons. Decidi falar do que viver em noites mudas. E agora, já não tenho mais escolhas.

domingo, maio 30, 2004

gritos mudos - II


Quando pude, argumentei, multipliquei e colhi. Agora, no crepúsculo de minhas horas, encontro-me a sorver meus versos perdidos nos recantos de minha mente, embolados com pinturas de Picasso e acordes de uma música popular que se perdeu na história.
Nesta manhã, neste quarto cheirando a Paris sinto náuseas e só posso esperar que Marília apareça. Não quero água, não quero sopa, nem escovar meus dentes. Quero um beijo na testa, um carinho na mão. Quero colo.

sábado, maio 29, 2004

gritos mudos - III


O sol já deve estar alto. Escuto seus passos junto à porta. Marília! Venhas me acalentar, deixes tudo para depois e venhas me lembrar das coisas que esqueci. Teus gestos são como álbuns abertos sem escolher a página. Como um turbilhão, tua simples presença acelera minha cabeça e te vejo, menina, moça, mulher. Linda como tua mãe, suave como a minha, que já nem recordo mais o rosto.
Eu ainda tinha muito o que te contar quando tudo aconteceu, mas não sei nem quando foi. De repente, sem prévio aviso, sem sinal no calendário, envelheci. Tudo o que faltava dizer, calou-se. Todos os lugares que gostaria de te mostrar, desapareceram. Todos os carinhos, esses sim, te dei. E agora, no silêncio em que pronuncio amor, me retribuis com afagos delicados e afetos desmedidos.