quinta-feira, maio 25, 2006

Antes que anoiteça

Este blog chegou ao fim. Ficará a espera que folhas de papel que o caiba.
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Antes que Anoiteça
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Quando prá tudo já é tarde, a mente inquieta herda um corpo inerte, pendente de lembranças, oco de saudades e pleno de incertezas. Até que ponto o ser humano quer viver, quando o tempo lhe chama para todos os lados?
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antes que anoiteça...
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...Marília vê o sol


Até onde vai o que me resta pode ser além do que preciso...

sexta-feira, maio 19, 2006

cai a noite


Nesse apartamento, nessa janela de frente ao último raio de sol que agora se pôs, conheci a morte em minha casa.
Lá atrás, há muito tempo, ela deu seus sinais...
Primeiro, quando ainda menina ao portão, assistia a procissão de carros em silêncio, que lá numa esquina da infância passava. Depois foi se chegando, se tornando uma vizinha próxima e incômoda. Quando menos esperava ela foi entrando em nossa casa. Sem mandar aviso, se sentiu em família e levou minha mãe. Passou a fazer parte dos aniversários, das festas de fim de ano, das lembranças, dos álbuns de fotografias. Depois, meu pai se foi, deixou um vácuo de dor que precede a saudade. Deixou seu lugar em minha vida como uma criança que era levada pela mão e, de repente, encontra-se no meio de um cruzamento, perdida, chorando, sem saber para que lado ir, para tornar-se saudade.
Todo dia a morte mostra sua cara e até que um dia reaparece, sem que esperemos e nos toma o lugar. Manda-nos embora, sem que possamos deixar cartões de despedidas ou o derradeiro adeus a quem amamos. Passaremos então a habitar estantes, álbuns, gavetas, túmulos e memórias dos que deixamos a esperar por ela.

-----FIM-----

segunda-feira, maio 15, 2006

à porta do fim

Meu pai estava de partida. Já havia me chamado... Ou quase. Pronunciara parte de meu nome, o que me deixou muito feliz. Naquele instante de lucidez foi de mim que ele lembrara...
Diante da porta do adeus, chorando de dor, com o peito arrasado e a garganta apertada por um nó, me questionava... Valera à pena amar tanto? Valera à pena estar ao seu lado sabendo que o perderia? Teria valido a pena todas aquelas conversas, carinhos, passeios, conselhos, repreensões, beijos na testa? Teria valido a pena apegar-se tanto a alguém? Não sofrem aqueles que deixam seus pais distantes e vão perdendo seus laços. Não sofrem quem os coloca numa casa de repouso e só vão lá em finais de semana. Pai, ainda te amo tanto... Tua partida tão recente me dói demais e tenho inveja de Deus que agora te tem. Meu conforto e pensar-te com minha mamãe e assim lhe vejo de novo com vida em seus olhos etéreos, reconstruindo sua colcha de retalhos de amor à beira dos penhascos de sua mente.




quarta-feira, maio 10, 2006

janela do passado

Quando já não podia mais andar, rearranjei o quarto de forma que ele pudesse ver à janela e contemplar o rio. Ele mirava o sol... Fez muito disso pela sua vida. Falava-me de como o sol era importante, de como marcava a passagem do tempo, de como o pôr-do-sol pode ser diferente, mesmo sendo a mesma estrela diariamente escondendo-se no horizonte.
Por mais que o conhecesse, na profundeza de sua mente devia estar rememorando passagens perdidas no tempo. Com sentimento de uma criança perdida, me perguntava por que ele não lembrava de mim. Olhava-me como se eu fosse uma desconhecida, como se não fizesse parte de mais de cinqüenta anos de sua existência. Meu pai querido, queria poder tê-lo trazido para hoje, mas tive que contentar-me eu tê-lo alguns dias sim e muitos outros não.

segunda-feira, maio 08, 2006

agonia da espera

Todos esses três anos de silêncio me deixaram melancólica, ao recordar-me das risadas fáceis, das conversas na madrugada de minha casa onde meu pai discutia com pessoas que significaram tanto para aqueles anos de chumbo. Aquela aflição de vê-lo, ali, contido pelos verbos, com suas pálpebras cerradas, ocultando o brilho de seus olhos, me trazia uma agonia que revertia-se em choro.
Aquele murmúrio reacendeu a esperança, chamei Eduardo e sua filha para vê-lo, na esperança de que voltaria de seu sonho contínuo, de que voltaríamos a sentar juntos no jardim, sob o caramanchão de madressilvas para ler nossos livros, reencontrar Drummond, Cecília Meireles, Vinicius de Morais. Olhar o sol se pondo no rio e escutar o som que ele faz, como meu pai dizia em minha tenra infância. Foi motivo de alegria na semana toda, mas os dias se passaram, se passaram, e ele voltou a sua clausura, embora daquele dia em diante soubesse que ele me percebia a sua volta e o amei como nunca. Restou o aroma inebriante da madressilva que não sei de onde veio para encher todo o quarto.

sexta-feira, maio 05, 2006

por um fio

Depois de três anos de cuidados, meu pai chegou a ficar três semanas na cama, sem expressar o mínimo gesto. Seus olhos abriam e fechavam como se estivesse desanimado, como se já não quisesse mais estar onde estava. Para alimentá-lo tive muitas dificuldades, até porque já não sou tão jovem e também a mim os anos trazem seu peso. Meu filho que não podia vir todo dia, passou semanas vindo diariamente. Mesmo com tudo aquilo, não encarei como um peso; para mim era um carinho que ainda podia dar-lhe. Ao cabo da terceira semana, eu já não continha minhas lágrimas. O simples fato de olhá-lo ali, em sua visão perdida para a janela, me fazia chorar solitária no quarto. Porém, num domingo de inverno ao fim da tarde, no frio de agosto e numa nuvem de aroma de madressilvas, como que acordando de um sonho, ele pronunciou a única sílaba dos últimos três anos e era de meu nome... Ele me fez sorrir, o sol ainda entrou pela janela e iluminou a foto onde meu pai e minha mãe me levavam pela mão num passeio pelo parque de diversões.

quarta-feira, maio 03, 2006

paralelas

Durante toda a sua vida, meu pai falava de lugares lindíssimos do mundo inteiro, sem que nunca tivesse saído do país. Os livros foram seu mundo, sua janela para o conhecimento. Como já mencionei, tivemos uma vida modesta, mas não queria nada mais. Tive tudo dele. De minha mãe, só não tive o tempo. Não consegui aproveitar tudo o que ela poderia me dar. A sua morte veio rápida, em pouco mais de dois meses ela definhou até sumir, antes dos cinqüenta anos. E como se fosse um pássaro caído, a vi na cama com meu pai ao seu lado, com o olhar mais triste que pude ver em sua face. Ele ainda acariciava e beijava sua mão, mesmo depois dela ter partido. Eu então tive certeza que ele morrera um pouco naquele instante ao deixá-la partir de sua última estação.